O COLISEU DE ROMA
O COLISEU DE ROMA
"Tu fizeste brilhar, rolar a lua sobre
Tudo isto. e lançar uma luz ampla e meiga
Que suavizou a austeridade venerável
Da áspera desolação, e preencheu,
Como era, mais uma vez, as fendas dos séculos,
Deixando aquela beleza que ainda era assim,
E fazendo o que não era, até o lugar
Tornar-se religião, e o coração transbordar
Com a mesma adoração dos grandes dos tempos antigos,
Os soberanos mortos que ainda testemunham,
De suas umas, a fé em Cristo."
Byron's Manfred
Não há ruína do mundo antigo tão interessante como o grande anfiteatro de
Roma. Ele resiste em estupenda magnificência, em meio às sete colinas da antiga
capital do mundo, como um monumento a tudo o que foi grande e terrível no
passado. A imensidão e majestade de sua estrutura falam da perfeição da arte; as
suas reminiscências evocam os horrores da perseguição aos santos, e os triunfos
do cristianismo. Ele foi o campo de batalha onde a Igreja lutou pela conversão do
mundo pagão; o sangue dos heróis martirizados, que tombaram em combate,
ainda se mistura ao pó da arena.
As tempestades de dezessete séculos já rolaram sobre o poderoso
anfiteatro, deixando-o como um gigante "em suas ruínas, palpitando em sua
história. Bancadas elevam-se sobre bancadas, em direção à abóbada azul do céu;
o olho admirado não pode captar sua imensidão; e embora sacudido por
terremotos e relâmpagos do céu, e tendo o seu calcário roubado por saqueadores
da Idade Média, ele ainda permanece com imperecível grandeza em meio às sete
colinas, "um nobre destroço de ruinosa perfeição".
Os Mártires do Coliseu
Recordamos bem a nossa primeira visita às ruínas do Coliseu. Foi o
acontecimento de nossa vida. Encontramos nos escombros majestosos a
realização do mais alto vôo de nossa imaginação. Mil pensamentos acorreram-nos
à mente; a majestade silenciosa amortalhando aqueles muros imensos e sua
história emocionante fez-nos ficar grudados no solo, em admiração e reverência.
Bastou um olhar momentâneo, e o pensamento preencheu o intervalo de séculos.
Os assentos de mármore foram novamente lotados, perante os olhos da mente,
com milhares de seres humanos; o leão ferido, o gladiador agonizante, o mártir
ajoelhado, surgiram em rápida sucessão na arena manchada de sangue; o grito
ensurdecedor do populacho excitado; a condenação dos cristãos, e o clamor para
que o seu sangue fosse dado a saciar a sede dos leões... Tudo formou um quadro
do passado, que fez estremecer o coração. Ficamos na arena que viu a infância de
Roma e a glória da Igreja. O próprio pó sob nossos pés era santo! Um dia ele
entregará o que na eternidade será o mais brilhante ornamento dos céus: o
sangue dos mártires. Com um sentimento de temor e respeito, contemplamos a
cruz - estandarte do cristianismo - que lançava a sua sombra triunfante sobre a
arena silenciosa.
Envoltos em pensamentos, ouvimos a admiração, expressada em diversas
línguas, dos grupos de turistas que fitavam as poderosas ruínas. Milhares afluem
anualmente à Cidade Eterna, e simplesmente apressam-se ao Coliseu, como a
mais interessante das muitas vistas de Roma. Aí, o comerciante d'além das
montanhas rochosas fica ao lado do garimpeiro da Austrália, e, como foi o nosso
caso, o missionário em licença para tratamento de saúde, do Cabo da Boa
Esperança, aperta a mão de um velho companheiro de escola, das Ilhas Britânicas. De manhã à noite, os estrangeiros são vistos na arena da famosa ruína; e
bem depois do anoitecer, quando o silêncio e a escuridão emprestam uma
atmosfera romântica adicional à sua magnificência, ainda estão por ali. Quando a
pálida luz da lua avoluma-lhe as arcadas melancólicas para uma imensidão
maravilhosa, o turista sentimental permanece na solidão triste da gigantesca
construção, e alimenta a vivida imaginação com imagens fantasmagóricas de
castelos e torres, e de outros anfiteatros; imagens que emergem dos arcos
quebrados e das paredes desintegradas. O Coliseu, uma vez visto, jamais é
esquecido, quer tenha sido contemplado ao esplendor do ardente sol italiano, ou
sob a mágica influência da luz do luar.
A nossa primeira hora no Coliseu foi de pesar. O presente contribuiu mais
que o passado para lançar escuridão sobre os nossos pensamentos. As cenas
terríveis que tiveram lugar naquela arena, a matança indiscriminada de vítimas
inocentes, o grito inumano que consignava o bravo gladiador à sua sorte, os
horrores de sua carnificina, justificam o nome dado por Tertuliano: um lugar sem
clemência.1 A maldição do paganismo animava esse templo das Fúrias,
endurecendo o coração dos espectadores, e causando uma obsessão e uma
cegueira demoníacas. Esse quadro era doloroso, mas outro pensamento
acrescentou-nos tristeza: milhares de pessoas que acorrem ao Coliseu são
estranhas às sagradas reminiscencias que pairam à roda de suas ruínas
sagradas. Esse espírito de infidelidade, que atualmente despoja a literatura de
todo sentimento de religião, não permitirá à história apresentar a parte mais
sagrada e solene de seus registros. Os guias de turismo irreligiosos estão nas
mãos dos viajantes; livros que devotam todas as páginas à descrição das práticas
infames e sangrentas do paganismo, mas não se atrevem a dedicar um parágrafo,
ou mesmo fazer uma alusão, ao sofrimento dos mártires. A descrição é sobre o
monumento pagão, mas nada menciona de sua conexão com os primeiros dias da
Igreja. O cristão instruído vê no Coliseu mais que paredes indestrutíveis ou
desenhos de arquitetura - vê um monumento àquilo que foi grande e nobre no
passado: o triunfo de sua fé. Ele recorda que cada nicho daquela arena foi tingido
com o sangue dos mártires. Sente que o triunfo deles também é o seu. Após o
lapso de mil e setecentos anos, acha-se unido a eles no elo indestrutível da
comunhão, para comemorar o maior campo de batalha dos seguidores do
Crucificado.
Foi este pensamento que me sugeriu esta pequena obra. O Coliseu é a
maior e mais notável ruína da Roma antiga; é o mais extraordinário relato dos
mártires que nele sofreram, e dos milagres que testemunhou. Empregamos
nossas horas de folga na tarefa de reunir alguns dos mais autênticos registros.
Apresentamo-los, em sua simplicidade rústica e sem adornos, aos cristãos que
honram os heróis da Igreja Primitiva, aos estudiosos que apreciam debruçar-se
sobre os martirológios, e aos turistas que visitam a Cidade Eterna, e em vão
perguntam aos seus guias ou amigos: "Quem foram os mártires do Coliseu?"
A Origem e a História Primitiva do Coliseu
A memória do imperador Augusto é cara aos romanos. Por seu grande
talento e habilidade, ele não apenas conquistou para si o cetro do poder supremo,
mas também elevou o próprio Império dentre as nações do mundo, e iniciou o
período conhecido como idade de ouro. Suas virtudes naturais mostram um
agradável contraste com a devassidão e os vícios de seus sucessores imediatos. A
ele deve-se a honra de haver planejado a construção do anfiteatro. Havendo
embelezado a cidade com casas de banhos e templos de insuperável
magnificência, ele concebeu a idéia de erigir um imenso anfiteatro para os espetáculos gladiatórios, que deveria exceder em dimensão e esplendor todos os
edifícios do mundo. A morte levou-o antes que pudesse realizar seu grande
projeto. Os anos passaram, e sete imperadores, que não tiveram nem energia
nem talento para executar o imenso empreendimento, sentaram-se no trono de
Augusto. Contudo, ele não foi esquecido, e o clamor do povo pelo início da
construção foi ouvido por Vespasiano. A este empreendedor soberano deve-se a
edificação desta maior obra da antigüidade, que é atualmente a maior ruína do
mundo.
Vespasiano era orgulhoso e ambicioso; buscava rivalizar a fama de
Augusto, e no segundo ano de sua elevação ao trono, iniciou a construção do
Coliseu. Isto foi no ano 72 de Nosso Senhor. Ele morreu antes que a obra fosse
terminada, e embora houvesse mais de trinta mil pessoas trabalhando
constantemente, oito anos foram necessários para a sua edificação, e ela foi
dedicada por Tito, no ano 80 de nossa era. A construção não foi perfeitamente
completada até o reinado de Domiciano.
O estupendo edifício foi erigido no lugar de um viveiro de peixes, nos
jardins de Nero. Edificado no meio das sete colinas, e bem no coração da antiga
cidade, ele não apenas superou em imensidão e magnificência os outros dois
anfiteatros de mármore que havia em Roma, mas excedeu em brilho a esplendorosa casa dourada de Nero. Tanto Vespasiano como Tito valeram-se da
experiência de suas viagens ao oriente, para fundir nos esboços do anfiteatro toda
a ousadia e majestade da arquitetura síria e egípcia, com a beleza e o refinamento
da arte grega. A sua imensidão, mesmo em suas ruínas, é surpreendente,
enquanto suas arcadas erguem-se em incríveis proporções umas sobre as outras,
nas ordens jônica, dórica e coríntia. O tamanho, a beleza e a força combinaram-
se para fazê-lo o maior, o mais belo e mais durável dos monumentos antigos.
Erguendo-se para o ar, tão alto quanto os montes Palatino e Célio, uma
montanha no lado de fora e um vale dentro, ele supera, inquestionavelmente,
qualquer coisa que a Grécia, o Egito ou Roma tenham visto antes. Marcial, o
poeta, que o viu surgir de sua fundação, declara que Roma não mais teve o que
invejar no Oriente, uma vez que o seu soberbo anfiteatro era mais maravilhoso
que as pirâmides de Memphis ou as obras da Babilônia. Até os críticos mais
aprovados definem o Coliseu como um edifício oriental vestido num traje grego.
As maiores obras do homem têm geralmente a sua origem na destruição.
Na história do mundo, raramente houve um edifício ou uma nação que não fosse
edificado sobre as ruínas de outro. Os operários do Coliseu foram os judeus
cativos, que adornaram o triunfo de Tito; o material foi parcialmente retirado da
casa tombada de Nero. Os cristãos podem enxergá-lo como um poderoso
monumento erguido em comemoração ao cumprimento da profecia.
O arado passara sobre a cidade e o templo de Jerusalém; seu povo
orgulhoso fora humilhado ao pó, e espalhado aos quatro ventos do céu. Setenta
mil de sua nação derrotada foram levados a Roma por Tito. Havendo-lhe ornado o
triunfo, foram eles divididos em três classes: as mulheres e as crianças de até
dezesseis anos foram vendidas como escravos pelos preços mais miseráveis. O
Senhor Jesus foi vendido por trinta moedas de prata; após o triunfo de Tito, podia-se comprar trinta judeus por apenas uma dessas moedas. Alguns dos
homens foram enviados ao Egito para trabalhar nas marmoreiras, mas a grande
maioria ficou para trabalhar no Coliseu. O número é variavelmente estimado
entre trinta mil e cinqüenta mil. Assim, os muros daquele poderoso emblema de
tudo o que há de triste e horrível foram cimentados com as lágrimas de um povo decaído.
As estruturas superiores do Coliseu foram construídas com o material
levado da casa tombada dos césares na Palestina. Quando Vespasiano e Tito
ordenaram a destruição de grande parte da casa de Nero, efetuaram um ato
muito prazeroso ao povo romano. Era um monumento de detestável esplendor,
que se erguera sobre as ruínas de sua cidade queimada; a sua riqueza e grandeza
só faziam recordar ao povo a tirania e a opressão. Nem bem a ordem fora dada, o
populacho ajuntou-se na obra de devastação. Imensos blocos de travertino
dourado, colunas, capitéis, e cornijas de mármore dos mais elaborados entalhes,
junturas de ferro e de ouro, e massas indestrutíveis de alvenaria, foram rude e
indiscriminadamente arrastados para ornamentar ou completar a vasta obra do
Coliseu.
O poderoso anfiteatro tomar-se-ia uma ruína; após o lapso dos séculos,
seria derrubado pela mão do tempo, e por sua vez, forneceria material de seus
arcos caídos para a construção dos palácios medievais e modernos da Cidade
Eterna. O imenso palácio quadrilátero da embaixada veneziana, o Farnese, o
Barberini, e outros de menor importância, brotaram das ruínas do Coliseu. É
assim na história do homem: os maiores monumentos de esplendor moderno
surgiram, à semelhança de Fênix, das ruínas de uma poderosa estrutura que
nossos antepassados presunçosamente imaginaram imperecível.
Devemos agora ter uma visão do anfiteatro em seu perfeito estado.
Fragmentos de descrição foram coletados dos historiadores antigos, e o quadro
está quase completo. Partindo do modo como as ruínas se encontram agora, a
fantasia pode preencher muitos detalhes.
Ele possui uma bela figura oval, 155 metros de comprimento e 36 metros
de largura. Foi erguido sobre oitenta arcadas imensas, e eleva-se em quatro
ordens sucessivas de arquitetura à altura de 49 metros. Na sua totalidade, o
edifício cobre um espaço de 24.000 m2. Por fora, era incrustado com mármore e
decorado com estátuas. As rampas da vasta concavidade que formava o interior
eram repletas com sessenta ou oitenta fileiras, dispostas em roda, de assentos de
mármore cobertos com almofadas, capazes de acomodar facilmente 100.000
espectadores.3 Sessenta e quatro vomitórios (as portas de saída eram
apropriadamente conhecidas por este nome) davam saída à colossal multidão; as
entradas, as passagens, e as escadarias foram planejadas com tal destreza, que
cada pessoa, fosse da ordem senatorial, dos cavaleiros, ou dos plebeus, chegava
ao lugar que lhe era destinado sem problemas ou confusão.
A fileira de assentos mais baixa, próxima à arena, agora completamente
coberta por terra e entulhos, designada aos senadores e embaixadores
estrangeiros, era chamada de podium. Numa plataforma elevada estava o trono do
imperador, sombreado por um palio carmesim, como uma tenda. O lugar dos
administradores ou organizadores dos jogos, como eram chamados, e das virgens
vestais, ficava ao lado do assento do imperador.
O podium era protegido contra a irrupção dos animais selvagens por uma
barreira, ou parapeito, de ouro ou bronze dourado. Como uma defesa adicional, a
arena era cercada com uma grade de ferro e um canal. Os éqüites, ou segunda
ordem de nobres, sentava-se em quatorze fileiras atrás dos senadores. O restante
do povo acomodava-se atrás, nos assentos chamados de popularia, que se elevava
em bancada sobre bancada, até uma galeria com uma colunata em frente,
circundando todo o anfiteatro logo abaixo do toldo, e geralmente ocupada Por
mulheres, soldados e serventes.
Nada se omitia do que pudesse ser útil à conveniência e ao prazer dos
espectadores. O enorme dossel ou toldo, que às vezes era estendido sobre toda a
extensão, oferecendo proteção contra o sol ou a chuva, era uma das maravilhas
do Coliseu. Faz-se necessária uma esticada na imaginação para acreditar.
Quando nos colocamos, mesmo agora, em meio às ruínas, e vemos a vasta
amplidão do céu sobre nós, a mente perde-se em dúvidas e conjecturas sobre a
possibilidade de um fato tão prodigioso. Não obstante, todos os historiadores que
escreveram sobre o Coliseu mencionam esta cobertura, como se nela nada
houvesse de extraordinário. Lampridio relata que era preciso várias centenas de
homens para lidar com este toldo, e que eles vestiam-se de marinheiros.4 A um
sinal, quando havia ameaça de chuva, ou o sol estava quente demais, havia um
movimento simultâneo entre os atendentes; então as cordas rangiam, e a
poderosa vela deslizava gradativamente para o centro, todas as velas reunindo-se
em perfeita harmonia, e formando juntas o imenso lençol que cobria completa-
mente o interior. Permanece estranho o fato de que no tempo de Tito esse dossel
fosse de seda púrpura, e debruado de ouro.5 O ar era constantemente refrescado
pelas fontes, e uma infinidade de pequenos tubos aspergiam um chuvisco dos
mais deliciosos perfumes, que descia sobre os espectadores como orvalho
aromático. A arena, em cujo centro achava-se a estátua de Júpiter, formava o
palco. Ela recebeu este nome por ser usualmente esparzida com a mais fina areia
branca. Por baixo, havia um mecanismo do mais extraordinário e complicado
caráter, que facultava à arena, durante os jogos, assumir diferentes formas, em
rápidas sucessões. Numa ocasião, ela parecia subir da terra como o jardim das
Hespérides; noutra, transformada em rochas e cavernas de Trácia. Canos
subterrâneos transportavam um inexaurível suprimento de água, e o que minutos antes parecia uma planície, podia repentinamente converter-se em um
vasto lago, coalhado de navios armados, para deleitar o povo com
entretenimentos náuticos.
Extraídos do livro o Coliseu de Roma.
Pb.Railson sousa
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